Sunday, May 27, 2007

fragmentos de conferência3



Ao contrário do que é normal, quer na versão «modernista» da abstracção, quer na versão paródica/crítica dos neo-abstractos dos anos 80, penso que é possivel cultivar uma abstracção iconófila, teatral, carnavalesca, que em lugar de se opor ao mundo das imagens que suspeitamente representam alguma coisa, as complementa e as incentiva, não como manhosa metalinguagem (uma linguagem que as «supere», as «arrume» ou as «controle»), mas como uma prática que reforce o papel da consciência e que assuma sem perconceitos ou justificações o facto de se poder desfrutar de um papel emancipado relativamente a uma tradição que tinha de usar unhas e dentes e interditos para não ser demasiado suspeita aos olhos dos diversos públicos. Habituamo-nos, e o nosso quatidiano é herdeiro da lógica abstraccionista gone mad.

Deste modo julgo que se pode olhar para esta prática de uma abstracção geométrica sem a desconfiança de mais um disparatado «revival», e sem a sensação de apenas estar a continuar algo que já foi superado há muito tempo pelas diversas modas que apressadamente os historiadores da contemporaneadade acabaram por legitimar e os museus arquivar nas suas bem cheias caves.

Se bem que o termo «absoluto» seja incontornável dentro da história da arte abstracta, e sob ele caia uma suspeita de marginália hegeliana (que se calhar até é – ou não – pois a arte no seu permanente suposto fim só se pode enunciar como repetido avatar do absoluto – ou nada disso), a minha pobre posição de quem manda escanzeladas bocas filosóficas, muitas vezes contraditórias, é a de que «quanto mais imanente mais absoluto!». Esta pintura abstracta é assim o «alter ego» da afirmação de uma imanência radical, e de que a aragem do absoluto (mas não da totalidade e seus tentáculos) anda por lá. E o que é da ordem do absoluto é da desculpabilização (da absolvição), da livre fruição e do usufruto, esperemos que cada vez mais agudo, da consciência. Para os que chafurdam com chavões da ética, direi que ser ético é ser livre consigo e com os outros.

A questão não está em averiguar, como num tribunal, se os resultados são verdadeiros ou falsos, se são ilusórios ou autênticos, se são puros ou impuros, mas em radicalizar a experiência de uma consciência, o que só é possivel através de uma prática (pictórica neste caso), seja através de encenadas anamnéses, seja fruto de uma amnésia que é uma imersão adictiva no presente.

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