Wednesday, May 23, 2007

Górgias, o atipico





Pedro Portugal dizia-me que os seus alunos nunca sabiam quando estaria a falar a sério. Esta atribulada incerteza estratégica foi inventada por Górgias, alguém que tornou a comunicação defenitivamente «marota» e emancipadora, sendo percursor das técnicas de tirar o tapete das convicções sem caír no cepticismo, adoptadas muito mais tarde por Nagarjuna e os mestres Zen.




Exemplo: «Tem que se destruir a seriedade dos adversários (e discipulos, acrescento)com o humor e vice-versa.»




Górgias era um brincalhão e viveu 108 anos na maior - foi rico, feliz, etc. É um exemplo de sabedoria em carne e ossos. O seu estilo era sobreabundante, abusando de palavras exageradas, semelhanças e justaposição de contrários. Foi discipulo do filósofo-mago que se atirou para dentro do vulcão (Empédocles), que por sua vez foi discipulo de Parménides, um tipo obcecado com a esfera do ser - mas também deveria ter qualquer coisa de mago, nas correleções que faz entre o Serr e a Doxa. Temos que sentir em Górgias estes eflúvios, assim como o dos vizinhos pitagóricos, que eram supersticiosos e cabisbaixos.




Górgias tem uma frase «duvidosa» citada por Proclos (um tipo muito sério)com um ar refutativo: «O que dizia Górgias não é inteiramente verdadeiro - o ser é invisível se não for retomado no parecer, e o parecer inconsistente se ele não agarrar o ser.» Citação literal? Glosa? Parafráse? O que nos parece dizer Górgias é da intensidade do Ser e do Parecer, com as quais está preocupado. Para Górgias Doxa= Ser=«Não-Ser» (a versão linguisticamente negada (reafirmante-refutante) do Ser, o seu eco «negativo»). Górgias considera a imaginação como parte desta lógica - as figuras fantásticas, que não existem, os sonhos, etc, são ecos do que é, re-cozinhando as aparências e reforçando a «esfera» do que é. Por isso o outro pilar do método gorgiano era o de considerar justa e sábia a capacidade de criar ilusão e de nos deixarmos involver por ela - a sabedoria do persuasor-artista e do espectador é a de deixar-se possuir pela magia do mundo e pelo encantamento. Este encantamento, que é um suplemento, ou um ornamento, é bem mais importante do que todas as análises que desencantam, é o tal ser que é fecundo no aparecer, e que desaparece quando desconsideramos as aparências.




Finalmente uma referência a kairós, o momento oportuno, sobre o qual Górgias foi o primeiro a escrever - Dionísio de Halicarnasso critica-lhe a insuficiencia no defenição, não sei se com justiça, pois não sabemos o que é que Górgias disse sobre o assunto.




Platão fala da prática de Górgias como de uma gymnásia - uma prática constante, uma capacidade que se adensa nas teias da improvisação. Provávelmente o grande kairós acontece suscitando algo mais do que as katharsis do vseu mestre Empédocles.




Vamos ter que esperar muitos séculos para ver as ideias de Górgias retomadas por Abhinavagupta e outros. Elas esclarecem Górgias, tal como Alberto Caeiro clarifica parcialmente Antifonte.

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