Wednesday, May 23, 2007

os meigos quadrados suprematistas

Este é o presse-release da exposição - não é sintético, mas vai ao campo apanhar bebedeiras.


Durante o modernismo a quase totalidade das práticas da arte dita «abstrata» foi feita contra a ideia de «representação». O clichê habitual para tal atitude é a justificação de que a fotografia, sendo uma fiel representadora do visível libertou a arte dessa tarefa servil a que as tradições da pintura e escultura pareciam condenadas. Na prática da abstração «moderna» confluiram quer as (bem antigas!) razões iconoclastas das religiões monoteístas (na versão mais severa e puritana), quer o paradigma, forjado por Platão, da representação como degradante pasto de simulacros. Por volta de meados dos anos 80 esteve a certa altura em moda algo chamado neo-geo, a prática da abstracção irónica, seja na versão cínica (com molho foucaultiano e lambidelas baudrillardianas), seja na acomodação Pop/conceptual às comodidades burguesas ou ao alterne dos chavões neo-marxistas & frustrados.



Na altura consubstanciei em algumas pinturas a possibilidade de uma abstracção não-iconoclasta, iconófila até (mas nada de pedófilias), que pudesse ser «marota» sem caír no anedótico das intencionalidades de algibeira de que os artistas se socorrem como uma boia para agarrar a arte a algum pretenso sentido – o velho neolítico acenava-me, assim como os lívidos (e tão criticáveis) pitagóricos, ou os diagramas chineses antes da burocracia celeste dos imperadores os utilizar como colete de forças social. Queria uma abstração que bulisse, que fosse sussurante e estremecente. Pensava em Empédocles atirando-se para o vulcão, e nos diagramas que um pouco pelo mundo antigo se desenharam na areia para explicar as mais diversas teorias e manipular os quiçá agentes do invisível.

A abstracção (cá para mim!), sobretudo a geométrica, apela ao homem teatral e procura leis festivas, mesmo nesta era de alta defenição post-post-industrial – há um bas-fond musical/numérico, por vezes muito puro, mas frequentemente uma chinfrineira que nos/lhes é environment . Os suprematistas, descendentes de iconófilos, procuram forjar imagens simples carregadas de energia, embora meigas como quadrados pouco rigorosos. Magos, monges e ascetas usaram imagens abstractas como ferramentas de poder, mais do que de emancipação das coisas que nos tramam na vida.



Daí estes quadrinhos que traduzem todo um conjunto de reflexões/ebulições sobre o que é e foi a abstracção, e a capacidade de esta «tradição» ainda permitir deliciosas intrigas – marotas? A chafurdarem em efusões tântricas? Ou no regresso impossível aos ditos antigos gregos que se tornam equivocamente contemporaneos sempre que os repensamos? O re-conhecimento é difícil e as anamnéses são diferendos, o que possibilita as dramaturgias, graças à eastranhesa e aos equívocos. No entanto as pinturas dizem, uma de cada vez, o que somos (ou o que se calhar sou?) inteiramente, na disponibilidade para o instante em que aconteceram, e para lá de espectativas efeverescentes que ilimitadamente lhe sobram.

No comments: